quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Feliz Natal




Então é natal

E o que você tem feito?

Um outro ano se foi

E um novo apenas começa

E então é natal

Espero que tenhas alegria

O próximo e querido

O velho e o Jovem

Um alegre Natal

E um feliz ano novo

Vamos esperar que seja um bom ano

Sem sofrimento

E então é natal (e a guerra terminou...)

Para o fraco e para o forte (...se você quiser)

Para o rico e para o pobre

O mundo é tão errado

E, então, feliz natal

Para o negro e para o branco

Para o amarelo e para o vermelho

Vamos parar com todas as lutas

Um alegre Natal

E um feliz ano novo

Vamos esperar que seja um bom ano

Sem sofrimento

E então é Natal

o que nós fizemos?

Um outro ano se foi

E um novo apenas começa...

E então Feliz Natal

Esperamos que tenhas alegria

O próximo e querido

E velho e o jovem

Um alegre Natal

E um feliz ano novo

Vamos esperar que seja um bom ano

Sem sofrimento

A guerra acabou , se você quiser

Tradução de Happy Xmas - War is Over)


"An eye and an eye

will make us all blind" (Gandhi)




Perséfone Hades desejando um Feliz Natal a todos seus leitores, e muita LUZ no coração de todos, para que cada vez vejamos menos cenas como estas e possamos cantar mais PAZ!



sábado, 19 de dezembro de 2009

Refletindo...




“O  centro não é um lugar,
mas um estado de existência…”
(Marion Z. Bradley – Os Ancestrais de Avalon)





terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Coração

Casa abandonada

onde gemem fantasmas

amores não vividos…

 

Perséfone Hades   (…sozinha… …)

 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

sábado, 5 de dezembro de 2009

Bromelia em flor...


Bromelia em flor..., upload feito originalmente por Bia Unruh.

Em um lugar muito especial para mim, a natureza pródiga sempre me surpreende!

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Memórias V

 A_Persist_ncia_da_Mem_ria_Dali

A Persistência da Memória (detalhe) - Salvador Dali

Algumas experiências, em nossas vidas, têm mais peso que outras. Há as que nos acompanham para sempre.

Era o ano de 1964, início do primeiro ano escolar. Um belo dia de sol brilhando ainda com as luzes do verão.

Saia azul de preguinhas, blusa muito alva de golinha arredondada, meia ¾ branca, sapatinho preto novinho em folha; cadernos encapados e lápis apontados, pasta onde guardar tudo, um cheirinho de coisa nova. Tudo bonito e novidade.

Mãos dadas, mãe e filha, lá se vão para o primeiro dia na escola. Caminho estranho, cheio de novidades, casas diferentes, algumas mais bonitas, outras muito velhas.

O calor da mão de mamãe dava segurança, seus passos firmes mostravam o caminho e nada havia a temer. A voz suave dizia que seria um dia maravilhoso, aprender era uma coisa boa, poder ler tudo seria incrível. Desenhar, fazer contas...

A escola parecia enorme. Um muro muito alto, um portão largo e aberto de par em par parecia dizer: “Bem vindos!” O prédio retangular, como tinha janelas e eram enormes!

Mãe e filha adentraram e desceram a rampa que dava acesso ao pátio. Nossa como tinha gente! A maioria das crianças usava o mesmo uniforme, algumas usavam roupas comuns e chinelos, como se fossem brincar.

As mães tagarelavam entre si. Mamãe parecia um pouco apreensiva, mas sorria cordialmente quando colocou sua filha na fila indicada para a professora Marília e ficou ao lado esperando. Muito alarido, crianças e mães falando, e as duas se olhando.

Bate o sinal e todos começam a andar, as mães ficam, a menina corre de volta para a mãe, não queria ir, tinha medo de ficar sem a sua mãe.

A mãe tenta acalmar a menina, que já chorava, dizendo que ia ficar ali esperando e que ela podia seguir tranqüila com seus novos coleguinhas. Mas a pequena não queria ir. Então como todos já tivessem entrado, a mãe acompanhou a filha até a sala de aula e a colocou nas mãos habilidosas da professora e continuou ali ao lado de fora, como para dar segurança à filha.

Quando a menina foi levada para a sua carteira, a professora foi doce como a mamãe e também assegurou que a mãe ficaria esperando. A menina olhava as outras crianças quietas e calmas e acabou por serenar.

Neste primeiro dia a professora começou pela letra A e ensinou a escrevê-la e todo um universo novo se descortinava.

A sala de aula tinha muitas mesas acopladas a cadeiras que eram chamadas carteiras; o chão de assoalho com tablado na frente onde ficava a lousa e a grande mesa da professora, cheia de livros e cadernos sobre ela três imensas janelas que davam para frente da escola e podia-se ver a rua; e uma porta com uma janelinha de vidro; era outro mundo, tudo parecia maior.

Dona Marília era bonita, alta, magra, longos cabelos castanho-escuros, olhos inteligentes e meigos, voz suave e calma, mantinha todos atentos à lousa e seus cadernos e cartilhas; uma mulher adorável, que facilmente se percebia, adorava estar ali conosco.

Os dias iam se passando e depois de um tempo, disputávamos quem carregaria a bolsa da professora; a menina já não se lembrava das lágrimas do primeiro dia, e tinha sempre uma descoberta nova para levar para casa e dizer à mãe o que aprendera.

Os cadernos iam sendo utilizados e tinham ali as primeiras letras; a lição de casa, sempre em grande quantidade nos ocupava por um bom tempo extra quando voltávamos para casa.

Todas as lições foram aprendidas e passamos, com louvor, para a segunda série.

A Cartilha

Um livrinho retangular, grosso para nós, naquela idade, pois apenas conhecíamos livrinhos finos e cheios de figuras. A capa mostrava uma criança andando por um caminho com um arco-íris no céu, daí seu nome: ” Caminho Suave”.

A primeira lição A de abelha, depois B de boi, C de cão, D de dado e assim por diante. Começamos pelas vogais e repetíamos infinitamente os movimentos que formavam cada letra. Hoje não sei se conseguiria repeti-los com a técnica que nos era ensinada. Parecia uma ciência muito difícil e importante, repetir os caracteres daquela forma.

Aos poucos as letras se juntaram e B com A ficava BA e se uníssemos dois BAs, tínhamos a palavra BABA ou BABÁ. Mais um pouco e se formavam aos nossos olhos atenciosos, frases como: “O boi baba”, “A babá ninou o bebê”. Nossa que incrível!

Imagino que todos nós passamos por estes momentos de pura magia, quando descobrir as letras e poder lê-las em qualquer lugar era o mais espantoso dos feitos.

E foi pela dedicação da Dona Marília, que me capacitei a estar aqui agora escrevendo e relembrando-a com ternura. Aonde quer que a senhora esteja, Dona Marília, o meu muito obrigada, e que seja abençoada pela sua dedicação a todos que alfabetizou.

Perséfone Hades

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sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Nas Sombras

Era irresistível aquela sensação, meio adormecida, meio acordada, permanecia na cama entre divagações e sonhos, após a dose de soníferos que ela tomara para não pensar.

Não notou em qual momento surgiu aquela feição caquética a sua frente e não saberia dizer se estava de olhos abertos ou fechados, mas era muito nítida aquela figura, que causava-lhe asco e tristeza.
Era uma mulher muito enrugada; magra quase aos ossos; olhos esbugalhados, vidrados, que sobressaiam da face macilenta dir-se-ia mais uma máscara; boca hirta com lábios adelgaçados quase invisíveis como que rascunhados no pergaminho que era sua pele; os poucos fios de cabelos não cobriam todo o couro cabeludo e escorriam para além da cintura, feito raízes velhas, finas e ressecadas; os peitos como pingentes moles e sem vida faziam um pequeno volume de cada lado do tórax e abdome até o umbigo sob as vestes rotas; as pernas e braços, como varetas de bambu cheias de nós, saiam do tronco e terminavam em extremidades tão afiladas, que pareciam ter apenas dedos.
A estranha mulher dirigiu-lhe, então, o olhar vazio, e naquelas órbitas ela se sentiu entrar, como que sugada por um túnel frio e pegajoso. Viajava a uma velocidade estonteante, e esbarrava em teias de aranha pelo caminho, apavorada queria voltar, sair daquele oco escuro e profundo, mas parecia que quanto mais desejava sair mais rápido ia ao fundo.
Foi visualizando quadros que bem conhecia.
A infância triste e sozinha no orfanato, crianças amigas suas que iam sendo adotadas em detrimento dela, a raiva e a inveja que acumulava nos recônditos de sua alma a cada adoção, o ódio e a incompreensão pelo abandono, o choro com os dentes apertados e as mãos crispadas ao travesseiro em ira.
Os maus tratos que sofreu, enquanto adolescente, sempre se sentindo preterida a outros, e o rancor e mágoa que se acumulavam. Então,a fuga do orfanato que a levou para as ruas onde conheceu a dor e o pavor, na violação de seu jovem corpo, nas noites mal dormidas sob marquises e viadutos.
A vida adulta no bordel, maltratada ainda pelos homens e mulheres, esvaziando-se cada vez mais de vida e luz e tornando-se uma negra mancha disforme cheia de cancros pelo corpo e retalhos pútridos de maus sentimentos corroendo-lhe a alma. Foi quando começou a quebrar todos os espelhos, iludindo-se que sem eles se tornaria melhor.
Viu, ainda, cenas de uma velhice precoce, esgotada e amarga, onde não conhecia mais o seu rosto, o espírito carregado de ódio por si mesma, desfazia-se em meio as areias da ampulheta do tempo, transformando-se em finos grãos que se espalhavam nos desertos de seu íntimo.
Desejava a morte mais que tudo, como um alívio para uma vida que mais lucraria em nunca ter existido. Mas, ilusão, ao morrer percebera que ainda sobrevivia, e pior, seu próprio fantasma a assombrava em questionamentos inúteis do que tinha feito para si mesma naquela existência, e aterrorizada via-se, qual caquética figura, no espelho de sua alma, o qual não poderia jamais quebrar. A tortura continuava sem fim.
Soprou, então, um vento invisível, que a fazia rolar e rolar em espiral retrógrada, completamente cega, imersa num mundo esponjoso.
Uma pequenina estrela surgiu no horizonte e foi crescendo até que num Bum! ela abriu os olhos e estava deitada em sua cama coberta de suor, o frasco de comprimidos vazio ao seu lado, o copo de água espatifado no chão.
Levantou-se com dificuldade, ainda entorpecida, agradeceu aos céus por estar de volta, prometeu-se nunca mais tomar quaisquer drogas e bendizer cada dia vivido dali para frente, foi para o chuveiro, e chorando lavou corpo e alma.

Perséfone Hades

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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A Perda

Pastor de Ovelhas em Israel
Antonio Furdiani
Que dia excepcional!
O sol brilha num céu azul que há muito não se via. As montanhas têm um tom de verde vivo e delineiam o horizonte até onde a vista alcança. As ovelhas estão animadas e os filhotes saltitam na relva em brincadeiras, as mães-ovelhas balem como se repreendessem seus filhos pelas peraltices. A relva deste ano está mais verde, cheia de brotos a crescer.
Ao longe, lá no alto da colina, fumega a chaminé do fogão de casa, mamãe está a preparar pães doces, hoje, a pedido meu. Desde que papai viajou, há algumas semanas, não a via tão animada com algo. Hoje, pela manhã, sorria e cantarolava enquanto preparava o desjejum.
- Bom dia! Meu querido e feliz aniversário! Venha sentar, tenho aqui um bolo especial que fiz para você, e quero ver meu homenzinho forte e alegre como seu pai. Pressinto que o dia será maravilhoso com um lindo sol para brindar seu natalício!
Mamãe era assim, sempre fazendo coisinhas de que gostávamos, por vezes passava horas na cozinha a tramar alguma receita gostosa. Ela adorava adornar a casa com lindas cortinas feitas à mão, toalhas bordadas sobre a mesa, delicadas cestas de fibras feitas por ela estavam sempre cheias de frutas, e todos os dias mimava seus “homens da casa”, como costumava dizer.
Eu estava fazendo 14 anos e pastoreava desde muito pequeno naquele vale que fazia parte de nossa propriedade, os nossos cães eram os melhores, e não me lembro de termos perdido uma só ovelha para os lobos tão comuns naquela região. Ficávamos até a tardinha no vale e depois levávamos as ovelhas para um curral, próximo à casa, onde passavam a noite, mas todos os dias elas precisavam de relva fresca para crescerem fortes. Nos primeiros dias da primavera ajudava papai a tosquiar as ovelhas, então uma grande parte da lã era amarrada em fardos e papai viajava para as cidades próximas para vendê-la. Já fazia quatro semanas que papai havia viajado com uma das melhores partidas de lã dos últimos anos, ele parecia muito feliz com a produção, e certamente traria novos produtos da cidade para nosso consumo.
Quando o sol estava a pino, mamãe trouxe meu almoço, batatas e salsichas com seu delicioso molho de mostarda e um daqueles pães para que eu mordiscasse à tarde. Enquanto comia, mamãe ficou a falar de como ela e papai esperaram com ansiedade para verem meu rostinho pequeno por entre os panos e como foi o meu nascimento, e como cresci tão rápido e agora era um homem com todas as responsabilidades de nossa fazenda nas mãos enquanto papai negociava.
Os dias se passavam assim, com muita tranqüilidade e eu sabia que deveria aprender tudo que podia, pois seria, também, um criador de ovelhas.
A tarde foi sonolenta e não trouxe novidades. O sol poente abrasou o horizonte buscando as verdes montanhas ao longe, então me pus a caminho de casa com meu rebanho e os cães.
Ia tranqüilo como se quisesse que aquele dia não terminasse. Depois de abrigar as ovelhas, sentei-me em uma pedra que ficava em frente à casa e fiquei a divagar sob um céu que começava a estrelar e o lusco-fusco do sol que já dobrava atrás das montanhas.
Pensei em quão boa era minha vida naquelas paragens onde Deus fazia morada, dia e noite, tudo era tão lindo e o artista deveria sentir-se orgulhoso daquele quadro. Mamãe e papai sempre tão alegres eram pessoas boas e ajudavam quantos por ali passavam.
Divagando e respirando os últimos raios de sol, subi as escadas que levavam ao alpendre, onde mamãe estava sentada a tricotar um novo par de meias. Ficamos ali sentados até que a noite caísse por completo e pudéssemos ver as estrelas no céu. Conversamos sobre as bobagens do dia a dia e mamãe falou de sua ansiedade para que papai voltasse.
Já passava das oito quando entramos, comemos e nos recolhemos para dormir. Fazia mais ou menos uma hora que tinha me deitado, quando ouvi o tropel de cavalos, levantei e fui à janela, e mamãe chegou em seguida, assustada, parecia suar.
Abri a porta para receber o meu tio, irmão de papai, que já apeava próximo as escadas. Ele vinha sério e assim que subiu as escadas, nos abraçou e olhando minha mãe nos olhos disse: “Sinto muito”. Aquela frase caiu como uma pedra sobre a minha cabeça, olhei em volta e vi que chegava logo atrás uma carroça, que vinha a passos lentos. Mamãe correu naquela direção e soltando um grito abafado e desmaiou; corri para ela e com auxílio de meu tio socorremos a pobre infeliz que já acordava e gemia dolorosamente pela morte de papai.
Senti-me como que anestesiado, e sou incapaz de lembrar os detalhes daquela noite, a não ser o choro baixinho de mamãe interrompido, de quando em quando, por soluços profundos que vinham do âmago de sua tristeza, e me faziam conhecer um sentimento do qual eu não tinha, ainda, experiência alguma.
Lembro-me vagamente do Pastor recitando o Salmo de Davi: “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará... Ainda que eu caminhe pelo vale das sombras da morte...”; a colocação da lápide com o nome de papai; as pessoas nos apoiando no adeus final; os olhos de mamãe como contas de vidro - vazios.
Mesmo agora, sentado sobre minha pedra favorita no pasto, olhando para a imensidão das montanhas no horizonte, ouvindo o cão a ladrar para as ovelhas, pareço estar sonhando, e ainda reluto em compreender este sentimento de perda.
Minha cabeça dói, fecho os olhos, as lembranças volitam em torno de mim como pequenos pássaros, os rostos afiguram-se a retratos, minha memória parece irreal, um sonho talvez, e o mundo se torna um incomensurável espaço em branco.
Perséfone Hades
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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Quase Morte?

A noite! porque deve ser tão longa? (Há um segundo você estava aqui...)

Minha cabeça dói...

O apartamento em desordem, o furacão da minha fúria passou por ele, fotos sobre a cama, roupas sobre a mesa, livros espalhados nos quatro cantos, o sofá massa disforme em frente à TV ligada. Notícias do Oriente Médio, Américas utópicas, Áfricas famintas, Ovnis no Pacífico, ondas gigantes na Sumatra e em minh’alma...

Estas roupas estão fora de moda... Estes livros não têm mais sentido... Sou eu que não faço sentido... Estendido neste chão, olhando o teto infinito e este ventilador que cresce e se aproxima... Como em turbilhão trás lembranças de alguém que devo ter sido.

A fumaça se torna bruma no apartamento pequeno, cinzeiros espalhados, quantas pontas de cigarros... Um maço meio amassado adverte: fumar faz... faz minha noite passar, talvez menos vagarosa.

Cansado, olhos pesados, inchados; lembro que bebi demais, mesmo assim não durmo. Os soníferos não fazem mais efeito, mas mesmo assim engoli alguns.

A máquina de escrever continua com a mesma folha em branco há dias, meu editor já cobrou todos os prazos e está para desistir de mim. O ventilador de teto barulhento ri-se e diz que já abdiquei de mim mesmo.

Uma réstia de luz surge na janela, meus olhos fecham, meu corpo não responde ao apelo de minha bexiga, abandono-me a sensação parestésica de meus membros...

...

Nossa! Parece que passou um caminhão por cima de mim... meu corpo todo dói. Sinto uma sensação pegajosa em toda a superfície de minha pele, suor? Minhas roupas estão molhadas, meus cabelos grudados na face, os olhos teimam em não abrir, meus membros ainda estão anestesiados, ouço meu coração dentro dos ouvidos, bate devagar como se quisesse parar.

Há mais alguém no apartamento, mas tenho certeza de que tranquei as portas, será que ela voltou? Desta vez a briga tinha sido para valer, eu como sempre tinha “pisado na bola”. Por que era mestre em fazer isso? Meus sentimentos estavam confusos há muito, eu buscava aventuras para meus romances, e ela sofria com isso. Eu sabia que ela me amava, e eu também a amava, mas... Bom talvez isso não importe agora.

Os sons se multiplicaram e parece que estou no meio de uma multidão. Os olhos não abrem, mas sou capaz de sentir reflexos acima de mim que correm como se eu estivesse em um túnel.

...

'Túnel de luz', retratado neste quadro de Hieronymus Bosch (séc. 15)

Esta é a sensação mais estranha que tive em toda minha vida, estou assustado! Vejo meu corpo sobre um leito de hospital, muitas máquinas à volta. Há um tubo em minha boca e muitos fios espalhados pelo meu tórax que se dirigem a um monitor cardíaco?

O que houve? Estou olhando tudo do teto desta sala, sinto-me leve e flutuo como uma pena no ar. Vários profissionais se revezam, observando os aparelhos conversam entre si, mas não consigo entender o que dizem. Uma luz muito forte surge e nada mais é visível, é um grande espaço branco...

Perséfone Hades

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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Dançarina

Depois de caminhar pelo túnel escuro por muito tempo, apenas visualizando uma luz ao fundo, minha visão clareou-se abruptamente.

Eu estava no salão de recepção, mesas baixas ao redor vinham até os limites da porta de entrada, desta podia-se ver o piso da parte central com um mosaico muito antigo, que mostrava a figura do deus vivo, cobrindo o chão; colunas ricamente pintadas em cores vivas ilustrando os feitos de Faraó assomavam até a cúpula branca, tão alta que diríamos viver ali gigantes. Ao fundo a escada de três degraus largos levava a um patamar onde havia uma mesa baixa com uma cadeira larga, de pedra azul trabalhada, com almofadas para o Supremo Senhor, e nas laterais do patamar, cadeiras em pedra branca, também trabalhadas, mais baixas, onde os convidados especiais do nosso Senhor Supremo, o Faraó, se sentavam.

O salão já estava cheio de convidados, os embaixadores de vários dos países associados e amigos do império.

Pela porta aberta entrou o meu grupo de sete mulheres, com vestimentas coloridas e transparentes; mãos e pés com as unhas pintadas; jóias no pescoço, orelhas, punhos, tornozelos e cintura; cabelos negros em corte reto pelos ombros desnudos; faces pintadas ao estilo da época. Instrumentos tocavam e nós dançávamos. Era uma sensação deliciosa a leveza dos gestos, o ritmo da música e os olhares postos sobre nós.

Quando enfim, rodopiamos e acabamos ao chão em gesto de dádiva para o nosso Faraó, minhas faces afoguearam-se ao perceber seus olhos sobre mim. Retiramo-nos de forma respeitosa e arrisquei olhá-lo, ficando lisonjeada de ver que seus olhos perseguiam minha saída.

Nós a sacerdotisas da beleza e da arte morávamos no Templo, que ficava em um anexo do palácio do imperador. Eu tinha chegado aos 13 anos, para ser iniciada nas artes da música e dança. Agora, aos 16, já instruída nos mistérios do Templo e treinada nas artes, fazia minha primeira apresentação pública e estava ansiosa para ver se haveria aprovação.

As festividades duraram três dias. No terceiro dia nós voltamos com a dança do fogo. Os olhos de nosso Faraó e Senhor Supremo brilhavam de pura satisfação, ao final da apresentação este nos sorriu com aprovação e fez um gesto de agradecimento direto a mim, de tal forma que corei e abaixei os olhos em respeito, mas sentindo-me radiante por dentro.

Nossa mãe, a Sacerdotisa Instrutora, ficou entusiasmada e chamou-me dizendo que deveria fazer-me mais bonita naquela noite, pois eu iria dançar particularmente para o Faraó.

A ansiedade foi aumentando, pois já tinha ouvido das sacerdotisas mais velhas, que nestes casos, as moças muita vezes iam fazer parte da Casa Imperial, como preferidas do Senhor Supremo e não voltam para o Templo.

Tudo aconteceu muito rápido. As irmãs juntaram-se a minha volta nos preparativos parecendo pássaros felizes na primavera, falando todas ao mesmo tempo e esvoaçando para lá e para cá. Banho de imersão; massagem com óleos perfumados; pinturas no rosto muito bem feitas; cuidados com as mãos, pés e cabelos. Roupas e jóias escolhidas a dedo pela Sacerdotisa Instrutora e muitas recomendações e orientações de última hora.

Formou-se um grupo de sacerdotisas mais velhas que me acompanharam em duas fileiras de cada lado até a porta da ante-sala dos aposentos imperiais. A música se iniciou, a porta foi aberta e entrei apenas eu em rodopios graciosos.

A sala era menor do que o salão de recepções, mas não era menos rica em detalhes. As colunas também pintadas em cores se sobressaiam do mosaico do chão. À frente numa cadeira de madeira avermelhada ricamente esculpida estava o nosso Faraó, em vestes brancas, sob seus pés um tapete de peles de animal imenso e uma mesa baixa também em madeira trabalhada onde se viam travessas da mais fina cerâmica com castanhas e frutas e uma ânfora de vinho acompanhada de duas taças.

O Senhor Supremo, nosso Faraó, olhava com atenção cada gesto de minha apresentação, seus olhos brilhavam com interesse. Um sorriso muito branco estampado no rosto mostrava seu júbilo. Eu me sentia quente, sorria em retribuição e dançava como ainda não o tinha feito em minha curta vida.

A música parou e estendi-me aos pés do meu Faraó no último acorde. A porta atrás de mim já estava fechada e os músicos retiraram-se sem que eu percebesse.

O Supremo então acenou para que eu me aproximasse, comecei a subir lenta e graciosamente os degraus largos que nos separavam. A vista escureceu.

...

Acordei na banheira de casa, relaxada e com esta vívida lembrança.

...

Perséfone Hades

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sábado, 5 de setembro de 2009

Ascendendo

De um tempo fora do tempo

vim em busca de conhecimento

De um espaço fora do espaço

vim em busca de sabedoria

No espaço-tempo encontrei a experiência

Perséfone Hades

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domingo, 30 de agosto de 2009

Caminho

fotografia: Caminhos
Alba Luna


Sol vermelho
entardece...
A estrada só
um caminheiro só.
Sombras do caminho
uma árvore
uma pedra
um cupinzeiro...

Entardece
sol vemelho
horizonte...
Ao oeste vou
no oeste findo
em buscas
respiro,
espírito infinito...

Perséfone Hades


sexta-feira, 24 de julho de 2009

29 anos sem Vinícius de Moraes

Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes, ou Vinicius de Moraes, 1913(Gávea-Rio de Janeiro) – 1980(Rio de Janeiro) foi um diplomata, jornalista, poeta e compositor brasileiro.

Teve como principais parceiros em composições Carlos Lyra, Tom Jobim Baden Powell e Toquinho.

Figura ímpar ficou conhecido como o Poetinha, por sua produção essencialmente lírica. Grande conquistador era freqüentador dos bares boêmios do Rio de Janeiro das décadas de 50, 60 e 70.

Cantou as belezas de sua terra, as mulheres como nenhum outro poeta o fez, as alegrias e dores de amores, sempre com conhecimento profundo dos sentimentos humanos.

Vinícius, onde estiver saiba que nós o amamos sempre e esperamos estar contigo aí onde estiveres para mais uma vez nos apaixonarmos a cada verso seu...

Poética


De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

Perséfone Hades com saudades!!!!!

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O Sermão da Montanha - Parte 9

espirtual1

Vós Sois a Luz do Mundo”

Sabemos, em nossos dias, que a luz cósmica, não focalizada — o “c” da conhecida fórmula einsteiniana, E = mc2 — é a base e, por assim dizer, a matéria-prima de todas as coisas do mundo material e astral. Os elementos da química, desde o mais simples até ao mais complexo, são filhos da luz invisível, a qual quando condensada em diversos graus, produz os elementos, e destes são feitas todas as coisas do mundo.

“Quer dizer que, no plano físico, a luz é a causa e origem de todas as matérias e forças do universo.

“Ora, o que a luz é no plano físico, isto é Deus na ordem metafísica ou espiritual do cosmos. A luz física é o grande símbolo desse simbolizado metafísico.

“A luz é a única coisa incapaz de ser contaminada, porque a sua vibração é máxima, que não é afetada por nenhuma vibração inferior.

“Todas as coisas do mundo são lucigênitas, e sua íntima essência é luz ou lucidez. E tanto mais incontaminável é uma coisa quanto mais lúcida.

“Toda a tarefa da espiritualização do homem consiste em que ele faça a sua existência humana tão pura e luminosa como a sua essência divina — que essencialize toda a sua existência.

“A lucidez ou luminosidade consiste na intensi­dade da nossa consciência divina. No plano da ideologia dualista, em que se move quase toda a teologia e filosofia do ocidente cristão, é difícil o homem convencer-se definitivamente de que a íntima essência do seu próprio ser seja idêntica à essência divina.”

Diz, pois, o divino Mestre:

“Vós sois a luz do mundo... Não pode permanecer oculta uma cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma lampada e se põe debaixo do alqueire, mas sim sobre o candelabro para que alumie a todos os que estão na casa. Assim brilhe a vossa luz perante os homens para que vejam as vossas boas obras —e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”.

“O homem realmente cristificado não deve ocultar-se debaixo do alqueire do anonimato, mas brilhar no candelabro da mais larga publicidade —deve ser até como uma cidade ou um farol no alto de um monte, para que o mundo inteiro veja os fulgores dessa luz e por ela oriente a sua vida.

“É opinião assaz comum entre os inexperientes que o homem espiritual deva evitar a publicidade e procurar o mais possível a obscuridade da solidão e do anonimato, a fim de não perder a sua sacralidade e cair vítima da profanidade. E, de fato, essa solidão e esse anonimato são necessários, embora num sen­tido diferente daquele que os profanos supõem.

O ego físico-mental do homem comum deve desaparecer no anonimato, e o seu Eu divino deve viver em profunda solidão. O homem espiritual deve ser profundamente solitário com Deus, para que possa ser vastamente solidário com todas as creaturas de Deus: assim não há perigo de profanação.

Ai daquele que perder a sua silenciosa sacrali­dade em Deus! De nada lhe servirá a sua ruidosa sociabilidade com os homens e o mundo. A profana sociedade tem de ser fecundada pela mística sacrali­dade para que resulte em fecunda solidariedade.

“Em suas relações com Deus é todo homem profundamente só e solitário; ninguém o pode acom­panhar a essas alturas e profundezas, envoltas em eterno silêncio. Ninguém poderá saber jamais o que se passou entre a alma e Deus, nas silenciosas alturas do Himalaia ou na taciturna vastidão do Saara onde se dá esse encontro entre Deus e a alma humana. A experiência mística se dá para além das barreiras do tempo e do espaço, no anonimato do “terceiro céu”, e por isso é essencialmente intransferível e incomunicável; o que é dito à alma, nessa luminosa escuridão, são “ditos indizíveis”.

“Essa solidão vertical é necessária e não pode jamais ser substituida pela sociedade horizontal. Esse santuário íntimo do homem é indevassável; nem as relações mais íntimas, de pai a filho, de mãe e filha, de esposo a esposa, de amigo a amigo, podem desvendar esse mistério. Onde não existe e persiste essa solidão cósmica, esse profundo silêncio metafísico , esse indevassável anonimato místico entre a alma e Deus, toda a publicidade é um perigo e uma profanação, é uma apostasia e uma infidelidade cometida contra a sacralidade do Eu divino. O homem que não possua suficiente fidelidade a seu Eu divino não deve arriscar-se à publicidade; não deve colocar-se no alto do candelabro ou no cume do monte; é preferível que fique debaixo do alqueire ou no fundo do vale, onde não há perigo de quedas catastróficas. Quanto mais alto o homem está, mais profundamente poderá cair , se essa altura lhe der vertigens.

“O perigo da vertigem vem da ilusão de que essa sublime posição seja obra do seu ego personal, vem do erro fatal de que a pessoa humana tenha creado essa glória no alto do candelabro ou no cume do monte.

“Duas vezes, diz um grande iniciado oriental, Brahman se sorri do homem, da primeira vez quando o homem afirma: “Eu faço isto, eu faço aquilo”, e da segunda vez quando o homem diz: “Eu vou morrer”.

“Ambas às vezes o homem confunde o seu verdadeiro Eu com o seu pseudo-eu. Quando o homem pensa que é ele — seu ego personal — que fez isto ou aquilo, e não o “pai dos céus” — o seu Eu divino; quando o homem pensa que o seu eterno e imortal Eu divino vai morrer — então se revela totalmente analfabeto no conhecimento de si mesmo.

“Onde há ilusão há possibilidade de queda. Só quando a totalidade da ilusão cedeu à totalidade da verdade é que há segurança absoluta.

“Tem-se dito que a experiência mística torna o homem orgulhoso e desprezador de seus semelhantes, os “profanos” lá embaixo. Quem assim pensa e fala não sabe o que quer dizer experiência mística. Esse orgulho é possível no caso da pseudomística, quando o homem atribui a sua espiritualidade ao mérito de seu ego personal, ignorando que “todo o dom perfeito vem de cima, do Pai das luzes”, e que a iluminação espiritual é obra da graça divina. Mas, ninguém pode orgulhar-se daquilo que é de Deus, só se pode envaidecer de algo que seja do seu ego.

“Um jovem ocultista britânico perguntou a um grande místico da Índia se achava que ele, o ocultista, poderia, um dia, chegar a fazer as “obras de poder”, chamadas “milagres”, que Jesus fazia; ao que o iniciado lhe respondeu calmamente: “Pode, sim, contanto que você não creia que é você que fez essas obras.”

“Quem atribui a seu pequeno ego humano qualquer obra espiritual está no erro; o erro gera o orgulho, e o orgulho prepara a queda. Mas quem compreendeu definitivamente que nenhum efeito espiritual pode provir de uma causa material ou mental, esse está na verdade, e a verdade o libertará de qualquer ilusão e perigo de queda.

“Quando Jesus diz a seus discípulos que devem colocar a sua luz no candelabro ou no alto do monte supõe ele que esses homens possam ultrapassar o estágio da Ilusão sobre si mesmos e adquirir plena clareza e certeza sobre a causa real de todos os efeitos espirituais.

“Não existe, no mundo físico, nenhum elemento incontaminável exceto a luz. Todas as outras coisas aceitam impureza.

“É esta, sem dúvida a mais pura glória do homem crístíco, poder ser puro no meio dos impuros e das impurezas em derredor; purificar as impurezas sem se contaminar com essas impurezas É o máximo de invulnerabilidade.

“Nenhum homem purificado pelo conhecimento da verdade sobre si mesmo se sente ofendido por atos, palavras ou opiniões injustas dos outros, porque sabe que essas ofensas não atingem o seu verdadeiro Eu divino, senão apenas o seu falso eu humano.

“Esta luz divina que em mim está deve ser colo­cada no candelabro como uma lâmpada, no alto do monte como um farol. Quem é remido do seu falso eu pode ajudar outros para se redimirem também. Por isso, deve ele fazer brilhar a sua luz, porque essa luz é a luz de Deus que brilha através do homem, como através de um límpido cristal, no caso que o homem renuncie à opacidade do seu egoísmo e aceite a transparência do amor.”

Huberto Rohden

Para aqueles que queiram ler os textos integrais recomendamos o link: http://www.esnips.com/doc/6fda8dc4-a4e1-48a3-87ae-8085b9eb532a/Huberto%20Rohden%20%3E%20O%20Serm%E3o%20da%20Montanha%20-%20Huberto%20Rohden

Perséfone Hades

E que Haja LUZ!!!!

 

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Sermão da Montanha - Parte 8

“Bem-Aventurados os que Sofrem Perseguição por Causa da Justiça”

“Justiça” significa a atitude justa e reta do homem para com Deus. O homem “justo”, nos livros sacros, é o homem santo, o homem crístico, o homem que realizou em alto grau o seu Eu divino pela experiência mística manifestada na ética. O homem “justo” é o homem que se guia, invariavelmente, pelos dois grandes mandamentos, o amor de Deus e a caridade do próximo.

“Mas, será possível que alguém sofra perseguição por causa dessa justiça, por causa da sua santidade?

“O Evangelho de Jesus está repleto de afirmações dessa natureza, e a experiência multissecular o con­firma. “Por causa do meu nome sereis odiados de todos, e chegará a hora em que todo aquele que vos matar julgará prestar um serviço a Deus. “Arrastar-­vos-ão perante reis e governadores e sinagogas; mas não vos perturbeis! Porque o servo não está acima de seu senhor; se a mim perseguiram também vos hão de perseguir a vós. “Os inimigos do homem são os seus companheiros de casa.”

“Estamos habituados a pensar e a dizer que esses perseguidores dos justos são homens maus, perversos, de má-fé; e, de fato, assim acontece muitas vezes. Entretanto, as mais cruéis perseguições que a história humana conhece foram perpetradas por homens sinceros e subjetivamente bons, em nome da verdade e do bem, em nome de Deus e do Cristo. Sobretudo as igrejas e sociedades religiosas organi­zadas têm empreendido, e empreendem ainda, cruzadas e “guerras santas”, trucidando infiéis, queimando hereges, torturando homens de elevada espirituali­dade, excomungando como apóstatas e perversos muitos dos homens mais puros e santos que o mundo conhece. A maior parte desses perseguidores não tem má intenção nem consciência pecadora; agem por um sentimento de dever.

“Há duas razões fundamentais por que o homem justo é perseguido por outros homens individuais ou por sociedades humanas.

“1 — Um indivíduo persegue outro indivíduo, não só porque este seja mau, mas, também, pelo fato de ser bom.

“Por quê?

“Porque o homem justo aparece como elemento hostil a outro homem menos justo. A simples presença de um homem mais santo do que eu é, para mim, uma declaração de guerra, ou, pelo menos, uma permanente ofensa. O homem espiritual, pelo simples fato de existir, diz silenciosamente a outros: “Vós devíeis ser como eu, mas não sois, e isto é culpa vossa”. Nenhum homem espiritual, é claro, diz isto; mas os profanos interpretam deste modo a presença do homem justo, e atribuem a este a ingrata censura. Ora, ninguém tolera, por largo tempo, a consciência da sua inferioridade. Enquanto não aparece outro homem de elevada espiritualidade, pode o homem menos espiritual viver tranqüilo na sua inferiorida­de, porque esta não é nitidamente percebida senão quando polarizada pelo contrário ou por uma espiritualidade superior. Quando o homem pouco espiritual encontra outro ainda menos espiritual, sente-se ele relativamente seguro do seu plano, e tem mesmo a tendência instintiva de fechar os olhos para as virtudes do outro, a fim de poder brilhar mais intensamente, ele só, como aquele fariseu, no templo em face do publicano. E que o homem profano mede o seu valor pelo relativo desvalor dos outros. Quando então a sua luz é, ou parece ser, mais forte que as luzes dos outros, o homem profano ou de escassa espiritualidade experimenta um senso de segurança e tranqüilidade; não tem remorsos da sua pouca espiritualidade nem se julga obrigado a um esforço especial para subir. Entre cegos, diz o provérbio, quem tem um olho é rei.

“Mas ai desse homem complacentemente satisfeito consigo mesmo, se lhe aparecer alguém de maior espiritualidade! Logo começa ele a sentir-se inseguro e inquieto. Em face dessa inquietação, duas atitudes seriam possíveis: a) o vivo desejo de ser tão espiritual como o outro e o esforço correspondente a esse desejo; b) uma atitude de despeito e agressividade.

“A primeira atitude é a dos homens humildes e sinceros; a segunda é a dos homens orgulhosos e insinceros consigo mesmos. Os primeiros se tornam discípulos do homem espiritual, os últimos se tornam seus adversários.

“É doloroso para um pigmeu ver-se eclipsado por um gigante. É desagradável para um impuro ter a seu lado um homem puro. Se o pigmeu não sente em si a capacidade de crescer; se o impuro não dispõe da força de se tornar puro, declarará guerra ao gigante e ao puro.”

“2 — No terreno social das organizações eclesi­ásticas acresce ao primeiro, outro fator, aparentemente mais justificável: o homem altamente espiritualizado é sempre uma espécie de exceção da regra, é um pioneiro que abandonou as velhas estradas conhecidas e batidas pela turbamulta dos crentes e rasga caminhos novos, “por mares nunca dantes navegados”, por ignotas florestas, por ínvios desertos que poucos conhecem. Esse homem ultrapassa, quase sempre, os caminhos tradicionais do passado, e até do presente, e abre novas rotas para o futuro. Toda e qualquer inovação, por mais verdadeira, é, no principio, considerada como erro, e até como perigo social.

“De maneira que o fator “massa” e o fator “tradição” nos dão uma espécie de segurança e firmeza, no meio da insegurança e incerteza que, naturalmente, experimentamos por entre as trevas ou penumbras da vida espiritual. E isto nos faz bem.

“Por isso , as sociedades religiosas organizadas, que contam sempre com o fator massa e tradição, dão grito de alerta e de alarme, e previnem seus filhos contra o perigoso inovador, o herege, o demo­lidor, o apóstata. Quando as sociedades religiosas possuem suficiente poder físico, eliminam do número dos vivos o perigoso demolidor das tradições, e isto “pela maior glória de Deus e salvação das almas”. Quando não possuem esse poder, procuram neutra­lizar a ação do herege matando-o moralmente, isolando-o por meio de campanhas sistemáticas de difamação e calúnia. E como, segundo eles, o fim justifica os meios, e como o fim é (ou parece ser) bom, todos os meios são considerados lícitos e bons, mesmo os maiores atentados à verdade, à justiça, à caridade.

“Donde se segue que o homem espiritual vive em uma relativa solidão. A massa não simpatiza com ele se não lhe é positivamente antipático, mantém pelo menos uma atitude de apatia e desconfiança em face dele.

“Para o homem espiritual, porém, o fator “massa” é sobejamente compensado pelo fator “elite” ou mesmo pelo simples testemunho da sua consciência em plena solidão.

“Existe, aqui na terra, e por toda a parte, a “comunhão dos santos”, isto é, a misteriosa união de todos os que conhecem e amam a Deus, a fra­ternidade branca dos irmãos anônimos formada pelos solitários pioneiros do Infinito. E eles sabem quE é profundamente verdadeiro o que o grande Mestre disse: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles”. Dois ou três — porque nunca serão muitos no mesmo lugar e tempo, os homens cristificados. E mesmo que sejam mais, nunca deixará de imperar a misteriosa lei da polaridade ou da trindade; dentro de um grupo maior haverá sempre essa constelação interna de dois ou três. A grande experiência crística circulará sempre entre dois ou três, e só mediante essa pequena constelação é que ela se comunicará ao resto do céu estrelado e às galáxias do universo espiritual.”

Huberto Rohden

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Perséfone Hades

Buscando este mundo melhor.