sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Dançarina

Depois de caminhar pelo túnel escuro por muito tempo, apenas visualizando uma luz ao fundo, minha visão clareou-se abruptamente.

Eu estava no salão de recepção, mesas baixas ao redor vinham até os limites da porta de entrada, desta podia-se ver o piso da parte central com um mosaico muito antigo, que mostrava a figura do deus vivo, cobrindo o chão; colunas ricamente pintadas em cores vivas ilustrando os feitos de Faraó assomavam até a cúpula branca, tão alta que diríamos viver ali gigantes. Ao fundo a escada de três degraus largos levava a um patamar onde havia uma mesa baixa com uma cadeira larga, de pedra azul trabalhada, com almofadas para o Supremo Senhor, e nas laterais do patamar, cadeiras em pedra branca, também trabalhadas, mais baixas, onde os convidados especiais do nosso Senhor Supremo, o Faraó, se sentavam.

O salão já estava cheio de convidados, os embaixadores de vários dos países associados e amigos do império.

Pela porta aberta entrou o meu grupo de sete mulheres, com vestimentas coloridas e transparentes; mãos e pés com as unhas pintadas; jóias no pescoço, orelhas, punhos, tornozelos e cintura; cabelos negros em corte reto pelos ombros desnudos; faces pintadas ao estilo da época. Instrumentos tocavam e nós dançávamos. Era uma sensação deliciosa a leveza dos gestos, o ritmo da música e os olhares postos sobre nós.

Quando enfim, rodopiamos e acabamos ao chão em gesto de dádiva para o nosso Faraó, minhas faces afoguearam-se ao perceber seus olhos sobre mim. Retiramo-nos de forma respeitosa e arrisquei olhá-lo, ficando lisonjeada de ver que seus olhos perseguiam minha saída.

Nós a sacerdotisas da beleza e da arte morávamos no Templo, que ficava em um anexo do palácio do imperador. Eu tinha chegado aos 13 anos, para ser iniciada nas artes da música e dança. Agora, aos 16, já instruída nos mistérios do Templo e treinada nas artes, fazia minha primeira apresentação pública e estava ansiosa para ver se haveria aprovação.

As festividades duraram três dias. No terceiro dia nós voltamos com a dança do fogo. Os olhos de nosso Faraó e Senhor Supremo brilhavam de pura satisfação, ao final da apresentação este nos sorriu com aprovação e fez um gesto de agradecimento direto a mim, de tal forma que corei e abaixei os olhos em respeito, mas sentindo-me radiante por dentro.

Nossa mãe, a Sacerdotisa Instrutora, ficou entusiasmada e chamou-me dizendo que deveria fazer-me mais bonita naquela noite, pois eu iria dançar particularmente para o Faraó.

A ansiedade foi aumentando, pois já tinha ouvido das sacerdotisas mais velhas, que nestes casos, as moças muita vezes iam fazer parte da Casa Imperial, como preferidas do Senhor Supremo e não voltam para o Templo.

Tudo aconteceu muito rápido. As irmãs juntaram-se a minha volta nos preparativos parecendo pássaros felizes na primavera, falando todas ao mesmo tempo e esvoaçando para lá e para cá. Banho de imersão; massagem com óleos perfumados; pinturas no rosto muito bem feitas; cuidados com as mãos, pés e cabelos. Roupas e jóias escolhidas a dedo pela Sacerdotisa Instrutora e muitas recomendações e orientações de última hora.

Formou-se um grupo de sacerdotisas mais velhas que me acompanharam em duas fileiras de cada lado até a porta da ante-sala dos aposentos imperiais. A música se iniciou, a porta foi aberta e entrei apenas eu em rodopios graciosos.

A sala era menor do que o salão de recepções, mas não era menos rica em detalhes. As colunas também pintadas em cores se sobressaiam do mosaico do chão. À frente numa cadeira de madeira avermelhada ricamente esculpida estava o nosso Faraó, em vestes brancas, sob seus pés um tapete de peles de animal imenso e uma mesa baixa também em madeira trabalhada onde se viam travessas da mais fina cerâmica com castanhas e frutas e uma ânfora de vinho acompanhada de duas taças.

O Senhor Supremo, nosso Faraó, olhava com atenção cada gesto de minha apresentação, seus olhos brilhavam com interesse. Um sorriso muito branco estampado no rosto mostrava seu júbilo. Eu me sentia quente, sorria em retribuição e dançava como ainda não o tinha feito em minha curta vida.

A música parou e estendi-me aos pés do meu Faraó no último acorde. A porta atrás de mim já estava fechada e os músicos retiraram-se sem que eu percebesse.

O Supremo então acenou para que eu me aproximasse, comecei a subir lenta e graciosamente os degraus largos que nos separavam. A vista escureceu.

...

Acordei na banheira de casa, relaxada e com esta vívida lembrança.

...

Perséfone Hades

Publicado em http://www.poesias.omelhordaweb.com.br/pagina_textos_autor.php?cdEscritor=1077

3 comentários:

  1. Ó minha doce Persefone! Como retribuir tuas gentilezas e carinhos dirigidos à mim? Sinto-me honrado qdo me visitas obrigado doce e "sombria" senhora dos abismos da existencia...Que um dia eu consiga descer até os abisais caminhos de tue pensamento, obg pela visita e pelo inéfavel carinho, amo-te. BjO's

    ResponderExcluir
  2. Gosto dessa sua riqueza de detalhes...
    entro em teus textos e faço a viagem com você...

    Fantástico.

    beijo

    ResponderExcluir
  3. Embora talvez ainda não saibas, retribuis-me as gentilezas e carinhos com teus escritos maravilhosos que calam profundamente em mim; e te aproximas mais dos abissais caminhos de meu pensamento do que podes imaginar.
    Também amo-te, meu poeta d'alma
    bjs

    ResponderExcluir

Obrigada por sua visita, é muito estimulante que meus textos estejam sendo apreciados pelas pessoas, acho que esta é a realização de todo autor.
Beijos no coração de todos e LUZ sempre...
Perséfone