A noite! porque deve ser tão longa? (Há um segundo você estava aqui...)
Minha cabeça dói...
O apartamento em desordem, o furacão da minha fúria passou por ele, fotos sobre a cama, roupas sobre a mesa, livros espalhados nos quatro cantos, o sofá massa disforme em frente à TV ligada. Notícias do Oriente Médio, Américas utópicas, Áfricas famintas, Ovnis no Pacífico, ondas gigantes na Sumatra e em minh’alma...
Estas roupas estão fora de moda... Estes livros não têm mais sentido... Sou eu que não faço sentido... Estendido neste chão, olhando o teto infinito e este ventilador que cresce e se aproxima... Como em turbilhão trás lembranças de alguém que devo ter sido.
A fumaça se torna bruma no apartamento pequeno, cinzeiros espalhados, quantas pontas de cigarros... Um maço meio amassado adverte: fumar faz... faz minha noite passar, talvez menos vagarosa.
Cansado, olhos pesados, inchados; lembro que bebi demais, mesmo assim não durmo. Os soníferos não fazem mais efeito, mas mesmo assim engoli alguns.
A máquina de escrever continua com a mesma folha em branco há dias, meu editor já cobrou todos os prazos e está para desistir de mim. O ventilador de teto barulhento ri-se e diz que já abdiquei de mim mesmo.
Uma réstia de luz surge na janela, meus olhos fecham, meu corpo não responde ao apelo de minha bexiga, abandono-me a sensação parestésica de meus membros...
...
Nossa! Parece que passou um caminhão por cima de mim... meu corpo todo dói. Sinto uma sensação pegajosa em toda a superfície de minha pele, suor? Minhas roupas estão molhadas, meus cabelos grudados na face, os olhos teimam em não abrir, meus membros ainda estão anestesiados, ouço meu coração dentro dos ouvidos, bate devagar como se quisesse parar.
Há mais alguém no apartamento, mas tenho certeza de que tranquei as portas, será que ela voltou? Desta vez a briga tinha sido para valer, eu como sempre tinha “pisado na bola”. Por que era mestre em fazer isso? Meus sentimentos estavam confusos há muito, eu buscava aventuras para meus romances, e ela sofria com isso. Eu sabia que ela me amava, e eu também a amava, mas... Bom talvez isso não importe agora.
Os sons se multiplicaram e parece que estou no meio de uma multidão. Os olhos não abrem, mas sou capaz de sentir reflexos acima de mim que correm como se eu estivesse em um túnel.
...
'Túnel de luz', retratado neste quadro de Hieronymus Bosch (séc. 15)
Esta é a sensação mais estranha que tive em toda minha vida, estou assustado! Vejo meu corpo sobre um leito de hospital, muitas máquinas à volta. Há um tubo em minha boca e muitos fios espalhados pelo meu tórax que se dirigem a um monitor cardíaco?
O que houve? Estou olhando tudo do teto desta sala, sinto-me leve e flutuo como uma pena no ar. Vários profissionais se revezam, observando os aparelhos conversam entre si, mas não consigo entender o que dizem. Uma luz muito forte surge e nada mais é visível, é um grande espaço branco...
Perséfone Hades
Publicado em http://www.poesias.omelhordaweb.com.br/pagina_textos_autor.php?cdEscritor=1077
Que belo texto, tb já me senti assim, perdido em um mundo que ficou só meu, só a solidão e umas taças de vinho me acompanhando.
ResponderExcluirABs
Persefone
ResponderExcluirLí e relí este texto, acho que para ver se conseguia ao menos sentir a emoção de uma experiência de quase morte. Não para conhecê-la mas, para relembrar um momento em que realmente vivi este fenômeno, quando estava no meio de um aborto induzido, onde a culpa, talvez, me fizesse querer morrer de verdade.
Tenha uma linda noite!
Beijosssss