segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Poetas Brasileiros VI - Oswald de Andrade



Erro de português
Quando o português chegou

Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

MANIFESTO DA POESIA PAU – BRASIL

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.
Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos.
Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases
feitas. Negras de jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil.
O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho.
A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária.
Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram como borrachas sopradas. Rebentaram.
A volta à especialização. Filósofos fazendo filosofia, críticos, crítica, donas de casa tratando de cozinha.
A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.
Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo: o teatro de base e a luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus Juris.
Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Ágil e ilógico. Ágil o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia.
A poesia Pau-Brasil, ágil e cândida. Como uma criança.
Uma sugestão de Blaise Cendrars: - Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino.
Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias.
A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.
Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros.
Uma única luta - a luta pelo caminho. Dividamos: poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação.
Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo. Instituíra-se o naturalismo.
Copiar. Quadro de carneiros que não fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no dicionário oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho...Veio a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas.
Apareceu a máquina fotográfica. E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de olho virado - o artista fotográfico.
Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu
o piano de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Straviski.
A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas.
Só não se inventou uma máquina de fazer versos - a havia o poeta parnasiano.
Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 1a) a deformação através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e Malarrmé, Rodin e Debussy até agora. 2a) o lirismo, a apresentação no templo, os materiais, a inocência construtiva.
O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil.
Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio rotamento dinâmico dos fatores destrutivos.
A síntese
O equilíbrio
O acabamento de carrosserie
A invenção
A surpresa
Uma nova perspectiva
Uma nova escala
Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil.
O trabalho contra o detalhe naturalista - pela síntese; contra a morbidez romântica - pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa.
Uma nova perspectiva.
A nova, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilusão de ótica. Os objetos distantes não diminuíam. Era uma lei de aparência. Ora, o momento é de reação à aparência. Reação à cópia. Substituir a perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental, intelectual, irônica, ingênua.
Uma nova escala:
A outra, a de um mundo proporcionado e catalogado com letras nos livros, crianças nos colos. O reclame produzindo letras maiores que torres. E as novas formas da indústria, da viação, da aviação. Postes. Gasômetros Rails.
Laboratórios e oficinas técnicas. Vozes e tics de fios e ondas e fulgurações. Estrelas familiarizadas com negativos fotográficos. O correspondente da surpresa física em arte.
A reação contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A peça de tese era um arranjo monstruoso. O romance de idéias, uma mistura. O quadro histórico, uma aberração. A escultura eloqüente, um pavor sem sentido.
Nossa época anuncia a volta ao sentido puro.
Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes sob a luz.
A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente.
Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.
Temos a base dupla e presente - a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de "dorme nenê que o bicho vem pegá" e de equações.
Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas, nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil.
Obuses de elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de aviação militar. Pau-Brasil.
O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da literatura nacional.
Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua época.
O estado de inocência substituindo o estado de graça que pode ser uma atitude do espírito.
O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica.
A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna.
Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.
Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.
Oswald de Andrade
(Correio da Manhã, 18 de março de 1924.)


Nossa história também tem estes mitos, tão reais, e sempre tão atuais...


terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Diversidade


"Unificar é ligar melhor as diversidades particulares, e não apagá-las em prol de uma ordem vã"
(Cidadela - Saint-Exupéry)






segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Poetas Brasileiros V - Casimiro de Abreu


Casimiro José Marques de Abreu nasceu em Barra de São João, Nova Friburgo, em 4 de janeiro de 1839, filho de comerciante e fazendeiro português, teve apenas a instrução primária no Brasil. Embarcou para Portugal em 1853 e lá entrou em contato com a intelectualidade da época escrevendo a maior parte de sua obra. Em 1857 voltou ao Brasil, tornou-se amigo de Machado de Assis e escreveu para jornais. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e um dos poetas Românticos mais populares, devido a sua forma simples e espontânea de escrever. Morreu em 18 de outubro de 1860 na mesma casa onde nasceu. Teve uma vida muito curta e publicou apenas um livro, As Primaveras, em setembro de 1859.

Obra de Nicolas Antoine Taunay


A Canção do exílio


Eu nasci além dos mares:
Os meus lares,Meus amores ficam lá !
Onde canta nos retiros
Seus suspiros,
Suspiros o sabiá !
Oh ! que céu, que terra aquela,
Rica e bela
Como o céu de claro anil !
Que selva, que luz, que galas,Não exalas,
Não exalas, meu Brasil !
Oh ! que saudades tamanhas
Das montanhas,
Daqueles campos natais !
Daquele céu de safira
Que se mira,
Que se mira nos cristais !
Não amo a terra do exílio,Sou bom filho,
Quero a pátria, o meu país,
Quero a terra das mangueiras
E as palmeiras,
E as palmeiras tão gentis !
Como a ave dos palmares
Pelos ares
Fugindo do caçador;Eu vivo longe do ninho,
Sem carinho,
Sem carinho e sem amor !
Debalde eu olho e procuro...
Tudo escuro
Só vejo em roda de mim !
Falta a luz do lar paterno
Doce e terno,
Doce e terno para mim !Distante do solo amado
- Desterrado -
A vida não é feliz.
Nessa eterna primavera
Quem me dera,
Quem me dera o meu país !
Lisboa - 1855


Tela Independência ou Morte, Pedro Américo (1888), encontra-se no Museu Paulista - São Paulo


Sete de setembro - A D. Pedro II


Foi um dia de glória! - O povo altivo
Trocou sorrindo as vozes de cativo
Pelo cantar das festas!
O leão indomável do deserto
Bramiu soberbo, dos grilhões liberto,
No meio das florestas!
Lá no Ipiranga do Brasil o Marte
Enrolado nas dobras do estandarte
Erguia o augusto porte;
Cercada a fronte dos lauréis da glória
Soltou tremendo o brado da vitória:
- Independência ou morte!
O santo amor dos corações ardentes
Achou eco no peito dos valentes
No campo e na cidade;
E nos salões - do pescador nos lares,
Livres soaram hinos populares
À voz da liberdade!
Anos correram; - no torrão fecundo
Ao sol de fogo deste novo-mundo
A semente brotou;
E franca e leda, a geração nascente
À copa altiva da árvore frondente
Segura se abrigou!
À roda da bandeira sacrossanta
Um povo esperançoso se levanta
Infante e a sorrir!
A nação do letargo se desperta,
E - livre - marcha pela estrada aberta
Às glórias do porvir!
O país, n’alegria todo imerso,
Velava atento à roda só dum berço
Era o vosso, Senhor!
Vós do tronco feliz doce renovo,
Vede agora, Senhor, na voz do povo
Quão grande é seu amor!
Rio - 1858

domingo, 3 de janeiro de 2010

Caminhando

De pés nús
abrindo
caminho

Estradando
sou
Estradando
vou...

Sem atalhos
sem veredas

Pés nús
pés firmes
estradando
meu destino

Perséfone Hades (Bia Unruh)

sábado, 2 de janeiro de 2010

Navegando...


Singro mares
Universo pulsando
vida...

Meu barco
fantasma de mim
triste...

Oceano lágrimas
esbarra em terra
dor...

Porto a vista
busca termina
LUZ...


Perséfone Hades (Bia Unruh)