domingo, 24 de maio de 2009

O Sermão da Montanha - Parte 7

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“Bem-Aventurados os Tristes”

“... pode haver uma tristeza-­atitude e uma alegria-atitude — como também pode haver uma tristeza-ato e uma alegria-ato. Pode alguém ser triste e estar alegre — como também pode ser alegre e estar triste, o que é decisivo é a atitude interna, permanente, negativa ou positiva. E essa atitude radica, em última análise, em um profundo substrato metafísico, a VERDADE, ou então o seu contrário. Quem tem a consciência reta e sincera de estar na Verdade é profundamente alegre, calmo, feliz, embora externamente lhe aconteçam coisas que o entristeçam — e quem , no íntimo da sua consciência, sabe que não está na Verdade é pro­fundamente triste, ainda que externamente se distraia com toda a espécie de alegrias.

“Quanto mais triste o homem é internamente, pela ausência de harmonia espiritual, tanto mais necessita ele de alegrias externas, geralmente ruidosas e violentas. Esse homem não tolera a solidão, que lhe traz consciência mais nítida da sua vacuidade ou desarmonia interior; por isso, evita quanto possível estar a sós consigo; procura companhia por toda a parte, e, quando não a pode ter em forma de pessoas, canaliza para dentro da sua insuportável solidão parte dos ruídos da rua, por meio do jornal, do rádio, da televisão. Alguns vão mais longe e recorrem a entorpecentes — maconha, cocaína, morfina, etc., para camuflarem, por algum tempo, a sensação da sua triste solidão.

“Quem teme a concentração necessita de toda a espécie de distrações para poder suportar a si mesmo. E, como essas distrações e prazeres, pouco a pouco, calejam a sensibilidade, necessita esse ho­mem de intensificar progressivamente os seus estimulantes artificiais para que ainda produzam efeito sobre seus nervos cada vez mais embotados. Por fim, nem já os mais violentos estimulantes lhe causam mossa e então esse homem chega, não raro, a tal grau de tristeza, no meio de suas “alegrias” que põe termo à sua tragédia por meio do suicídio. Outros acabam no manicômio. É que nenhum homem pode viver sem uma certa dose de alegria.

“Enquanto o homem não descobrir a bela tristeza da vida espiritual, tem de iludir a sua fome e sede de felicidade com essas horrorosas alegrias da vida material. Essas alegrias externas, porém, têm sobre ele o efeito da água do mar, que tanto maior sede dá quanto mais dela se bebe.”

*

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“O homem cuja felicidade nasceu da verdade é calmo e sereno em todas as vicissitudes da vida, porque sabe que não precisaria mudar de direção fundamental se a morte o surpreendesse nesse instante. Perguntaram ao jovem estudante João Berchmans, que estava jogando bola, o que faria se soubesse que, daí a cinco minutos, tivesse de morrer; respondeu calmamente: “Continuaria a jogar.” Assim só pode falar quem tem plena certeza de que está no caminho certo, em linha reta ao seu destino, embora distante da meta final.

“Ora, esse caminho não pode deixar de ser es­treito e árduo, uma espécie de tristeza, como é toda a disciplina; mas no fundo dessa tristeza externa dormita uma grande alegria interior. É, todavia, uma alegria anônima, silenciosa, imponderável, como costumam ser os grandes abismos e as grandes alturas. Aos olhos dos profanos, leva o homem espiritual uma vida tristonha e descolorida; o seu ambiente parece monótono e cor de cinza como um vasto deserto. E talvez não seja possível dar ao profano uma idéia da profunda alegria e felicidade que o homem espiritual goza, porque esta felicidade jaz numa outra dimensão totalmente igno­rada pelo profano. O homem habituado a certo grau de espiritualidade tem uma imensa vantagem sobre o homem não-espiritual; não necessita de estímulos violentos para sentir alegria, porque a sua alegria não vem de fora, e sim de dentro. Basta-lhe uma florzinha à beira da estrada; basta o sorriso de uma criança caminho à escola; basta o tanger de um sino ao longe; basta o cintilar de uma estrela através da escuridão — tudo enche de alegria, suave e pura, a alma desse homem, porque ela está afinada pelas vibrações delicadas que vêm das luminosas alturas de Deus. E as fontes da sua alegria brotam por toda a parte; nem é necessário que saia de casa para encontrar motivos de alegria, porque a sua alegria é de qualidade, que não está sujeita às categorias de tempo e espaço, como as alegrias ruidosas e grosseiras dos profanos. Um único grau de alegria-qualidade dá maior felicidade do que cem graus de alegria-quantidade.

“Por isso a vida do homem espiritual é uma bela tristeza, ao passo que a vida do homem profano é uma pavorosa alegria. Mas o homem espiritual prefere a sua bela tristeza à pavorosa alegria do profano, que ele compreende perfeitamente, porque também ele já passou por esse estágio infeliz — ao passo que o profano não compreende a felicidade anônima do iniciado, porque nunca passou por essa experiência.”

*

“Geralmente, os homens mais felizes são ignorados pela humanidade que escreve e lê livros e jornais, que fala do alto dos púlpitos e das tribunas, que perde tempo com rádio e televisão ou procura salvar o gênero humano pela política, Os milionários da felicidade são, quase sempre, os grandes anônimos da história, os “não-existentes”. Os poucos homens que aparecem em público são raras exceções da regra. O grande exército dos “bem-aventurados” não aparece em catálogos e cadastros estatísticos. São os irmãos anônimos da “fraternidade branca” que estão presentes em toda a parte onde haja serviços a prestar, mas ninguém lhes percebe a presença, porque sempre desaparecem por detrás das suas obras. Os muitos e os ruidosos que se servem das suas obras como de fogo de artifício e deslumbramento pirotécnico para iluminar a sua personalidade não fazem parte da “fraternidade branca”, porque não se eclipsaram no anonimato da benevolência universal.

“Os verdadeiros redentores da humanidade são tão felizes no cumprimento da sua missão que nunca esperam pelos aplausos de platéias, mas desaparecem por detrás dos bastidores do esquecimento, no mesmo tempo em que terminam a sua tarefa. São igualmente indiferentes a vivas como a vaias, a aplausos como a apupos, a louvores como a vitupérios, porque eles vivem no mundo da silenciosa e profunda verticalidade invisível, incompreendidos pelos habitantes da ruidosa horizontalidade visível.

“Bem-aventurados os que estão tristes — porque eles serão consolados.”

Huberto Rohden

Para aqueles que queiram ler os textos integrais recomendamos o link: http://www.esnips.com/doc/6fda8dc4-a4e1-48a3-87ae-8085b9eb532a/Huberto%20Rohden%20%3E%20O%20Serm%E3o%20da%20Montanha%20-%20Huberto%20Rohden

Perséfone Hades

Ainda em busca de respostas...

sábado, 16 de maio de 2009

Reflexões - Sentimentos

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"Fiquei a meditar muito tempo na muralha. É em ti que a verdadeira muralha existe."(Cidadela - Saint-Exupéry)

Cada pedra desta muralha é colocada com muito cuidado durante toda a nossa vida, e nós as cultivamos como se não fossem ervas daninhas... E, por vezes, tornamos a muralha intransponível para nós mesmos...

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São pedras carregadas de raiva, ódio, tristeza, mágoa, egoísmo, angústia, cólera, contrariedade, rejeição, remorso, irascibilidade, repulsa, medo, terror, vergonha, abatimento,  pouco-caso, ressentimento, menosprezo, aborrecimento, fúria, aversão, ira, acabrunhamento, melancolia, acanhamento, inveja, decepção, animosidade, antipatia, frustração, apreensão, asco,  cisma, contragosto, dor, irritação,   desapontamento, desassossego,  desencanto, horror, desgosto, desilusão, furor, implicância, melindre, insatisfação, nervosismo, insegurança, mortificação,  nojo, pavor, pieguice, sofrimento, tédio, temor.

Sempre me pergunto porque é tão difícil  limpar cuidadosamente cada uma destas pedras e transformá-las em amor, felicidade, esperança, amizade, estima, fraternidade, piedade, encanto, ternura, segurança, simpatia, entusiasmo, compaixão, harmonia, apreço, gratidão, amor-próprio, prazer, afeto, admiração; e quem sabe construir um belo templo interior.

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Que haja LUZ!!!

Perséfone Hades pulindo suas pedras...

 

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Reflexões - Saint Exupèry

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“Aceito provisòriamente as verdades contraditórias do soldado que procura ferir e do médico que tenta curar, embora ao meu nível não se possa distinguir delas o fecho da abóbada. Longe de mim conciliar numa beberagem morna bebidas geladas e bebidas a ferver. Não gosto que firam ou curem moderadamente. Castigo o médico que nega os seus cuidados, castigo o soldado que evita magoar. E pouco importa a mim que as palavras se desafiem! Acontece que só essa armadilha, cujos materiais são diversos, apanha na unidade a minha presa, isto é, determinado homem dotado de certas virtudes e não outro.

“Procuro às apalpadelas as tuas divinas linhas de força e, na falta de evidências que não são próprias da minha condição, digo que tenho razão na escolha dos ritos do cerimonial, se acontece que eles me libertam e me deixam respirar. Assim o meu escultor, Senhor, que dá certa dedada à esquerda, embora não saiba dizer por quê. Só assim parece carregar o seu barro de poder.

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“Caminho para ti, à maneira da árvore que se desenvolve segundo as linhas de força da sua semente. O cego, Senhor, não sabe nada do fogo. Mas há, no fogo, as linhas de força sensíveis nas papilas. E ele caminha através das silvas, porque toda a metamorfose é dolorosa. Senhor, eu vou até junto de ti, ao abrigo da tua graça, ao longo da encosta que faz uma pessoa realizar-se.

“Tu não desces até junto da tua criação e eu, para me instruir, só passo contar com o calor do fogo ou a tensão da semente. E o mesmo a lagarta, que não sabe nada das asas. Não é a marionete que me há de informar das aparições de arcanjos. Dir-me-ia ela alguma coisa que valesse a pena? É inútil falar de asas à lagarta, como é inútil falar de navio ao forjador de rebites. Basta que existam, pela paixão do arquiteto, as linhas de força do navio. Pelo sêmen, as linhas de força das asas. Pela semente, as linhas de força da árvore. E que tu, Senhor, simplesmente existas.

“Glacial, Senhor, é por vezes a minha solidão. No meio do deserto do abandono, cheguei a pedir um sinal. Mas tu me iluminaste um dia, por meio de um sonho. Fiquei a compreender que todo o sinal é vão, porque, se tu és da minha ordem, não me obrigas a crescer. E que haveria eu de fazer de mim, Senhor, tal como sou?

“É por isso que continuo a caminhar. Vou elaborando orações novas, que nunca obtêm resposta. Tão cego estou que só um fraco calor nas minhas papilas murchas me guia. Apesar disso louvo-te, Senhor, por não me responderes. Se eu encontrasse o que procuro é porque teria acabado de me realizar.

“Se tu gratuitamente desses o passo de arcanjo na direção do homem, o homem ver-se-ia terminado. Não serraria mais, não forjaria mais, não combateria mais, não curaria mais.

"Não mais varreria o quarto, nem acariciaria a amada. Dar-se-ia porventura ele ao trabalho de te honrar com a sua caridade através dos homens, se te contemplasse? Depois de construído o templo, passo a ver o templo e não as pedras.

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“Senhor, sinto-me tão velho e tão fraco como as árvores quando o inverno sopra. Farto dos meus inimigos e dos meus amigos. Pouco satisfeito, ao pensar que me vejo obrigado a matar e a curar ao mesmo tempo. É que me fazes sentir a necessidade de dominar todos os constrangimentos que tornam tão cruel a minha sorte. E, no entanto, constrangido a subir do menor número de problemas até à morte dos problemas, até ao teu silêncio.

“Digna-te, Senhor, para tua glória, estabelecer na unidade aquele que repousa a norte do meu império e foi meu inimigo amado, e o geômetra, o único verdadeiro, meu amigo, e eu próprio, que já passei, ai de mim!, a crista da montanha e deixo para trás, como que na vertente vencida, a minha geração. Digna-te adormecer-me nas profundidades dessas areias desertas onde trabalhei tanto”.

(Cidadela – capítulo CCXIII – Antoine de Saint-Exupéry)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O Sermão da Montanha - Parte 6

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“Bem-Aventurados os Pacificadores”

“A palavra latina pacificare, da qual é derivada pacificus, é composta de dois radicais (e o mesmo acontece em grego): pax e facere, isto é, “paz” e “fazer”. Pacificador (em latim: pacificus) é, pois, aquele que faz a paz, é um “fazedor de paz”, um homem que possui em si a força creadora de estabelecer ou restabelecer um estado ou uma atitude permanente de paz no meio de qualquer campo de batalha.

“A tradução “pacíficos”, em vez de “pacificadores”, que se encontra em muitas versões portuguesas, não corresponde ao sentido do original grego eirenopoíí, nem ao latim pac~fici, porque ambos significam um processo ativo e dinâmico, e não apenas um estado passivo de paz.

“Quem é, pois, verdadeiro pacificador?

“Não é, em primeiro lugar, aquele que restabelece a paz entre pessoas ou grupos litigantes, mas sim aquele que estabelece e estabiliza a paz dentro de si mesmo. Aliás, ninguém pode ser verdadeiro pacificador de outros se não for pacificador de si mesmo. Só um autopacificador é que pode ser um alo-pacificador. A pior das discórdias, a mais trágica das guerras é o conflito que o homem traz dentro de si mesmo o conflito entre o ego físico-mental da sua humana personalidade e o Eu espiritual da sua divina individua­lidade. Se não houvesse conflito interior, entre o seu Lúcifer e o seu Lógos, não haveria conflitos exteriores na família, na sociedade, nas nações, entre povos. Todos os conflitos externos são filhos de algum conflito interno não devidamente pacificado. Por isso, é absurdo querer abolir as guerras ou revoluções de fora, as discórdias domésticas no lar ou no campo de batalha, enquanto o homem não abolir primeiro o conflito dentro da sua própria pessoa.

“O grande tratado de paz tem de ser assinado no foro interno do Eu individual antes de poder ser ratificado no foro externo das relações sociais. Nunca haverá Nações Unidas, nunca haverá sociedade ou família unida enquanto não houver indivíduo unido. Pode, quando muito, haver um precário armistício (que quer dizer “repouso de armas”), mas não uma paz sólida e duradoura enquanto o indivíduo estiver em guerra consigo mesmo. Que é um armistício se não uma trégua, maior ou menor, entre duas guerras? Paz social, segura e estável, supõe paz individual, firme e sólida.”

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“Quando o homem é mau e desabrido com os outros é porque não tem paz interior e sente a necessidade de descarregar o exces­so da sua infelicidade — “nervosismo”, na linguagem eufemística de cada dia — em alguém ou em alguma coisa, e os objetos mais próximos servem de para-raios para essa tensão do homem infeliz. Propriamen­te, deveria esse homem ser áspero consigo mesmo, o principal culpado; mas, como o egoísmo não lhe permite semelhante sinceridade, são os inocentes ou os menos culpados não raro, até coisas e animais domésticos alvo dessa irritação do homem intimamente desarmonizado consigo mesmo.

“Quando o homem tolera a si mesmo, graças a uma profunda paz de consciência, todas as coisas e pessoas do mundo são toleráveis; mas, quando o homem, de consciência insatisfeita, não se tolera a si mesmo, nada lhe é tolerável.

“O remédio não está em mudar os objetos, mas em corrigir o sujeito. Isto, porém, supõe uma sinceridade muito difícil e rara.”

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“A paz é, pois, um atributo do ser, é algo qualitativo, algo que tem afinidade com o EU SOU do homem. O homem que tem plena consciência do seu divino EU SOU não tem motivo para brigar ou declarar guerra a alguém por causa dos teres, que desunem os homens profanos. Mesmo que os outros o tratem com injustiça por causa dos teres, o homem espiritual sabe que todo esse mundo quantitativo do ter é pura ilusão: ninguém pode ter algo que ele não é, só o nosso ser é realmente nosso.

“Por isso, o homem que chegou ao conhecimento de si mesmo é invulnerável; ninguém pode prejudicá­-lo, ninguém pode ofendê-lo, ninguém pode empobre­cê-lo, ninguém lhe pode infligir perda de espécie alguma, uma vez que ninguém pode obrigá-lo a perder o que ele é, e aquilo que ele tem não o enriquece nem a sua perda o empobrece.

“A paz nasce, portanto, de uma profunda sabedoria, do conhecimento da verdade sobre si mesmo. Quem conhece essa verdade é livre de todo o ódio, tristeza, rancor, senso de perda e frustração.”

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“Uma pessoa profundamente harmonizada em si mesma irradia harmonia ao redor de si e satura dessa imponderável e benéfica radiação, todas as coisas.

“As suas auras benéficas envolvem tudo em um halo de serenidade e bem-estar, de fascinante leveza e luminosidade, que atuam, imperceptível, porém, seguramente, sobre outras pessoas receptivas.

“O homem que estabeleceu a paz de Deus em sua alma é um poderoso fator para restabelecer a paz em outros indivíduos, e, através destes, na sociedade. Não é necessário que fale muito em paz, que aduza eruditos argumentos propace — basta que ele mesmo seja uma fonte abundante e um veemente foco de paz.

“O filósofo místico norte-americano Émerson disse, certa vez, a um homem que falava muito em paz, mas não possuía paz dentro de si: “Não posso ouvir o que dizes, porque aquilo que és troveja muito alto.”

“Quem não é pacificado dentro de si mesmo, não pode ser pacificador fora de si.”

Huberto Rohden

Para aqueles que queiram ler os textos integrais recomendamos o link: http://www.esnips.com/doc/6fda8dc4-a4e1-48a3-87ae-8085b9eb532a/Huberto%20Rohden%20%3E%20O%20Serm%E3o%20da%20Montanha%20-%20Huberto%20Rohden

 

 

 

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O Sermão da Montanha - Parte 5

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“Bem-Aventurados os que Têm Fome e Sede da Justiça”

“Esta bem-aventurança visa, sobretudo, os insatisfeitos, os descontentes consigo mesmos, os que sofrem o tormento do Infinito, a nostalgia do Eterno, os que vivem ou agonizam em uma estranha inquietude metafísica, os que crêem mais no muito que ignoram do que no pouco que sabem.”

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“Antes de tudo convém esclarecer o que aqui se entende pela palavra “justiça”. Esta palavra, toda vez que ocorre nas sagradas Escrituras, significa a relação ou atitude justa e reta que o homem assume em face de Deus. Não se refere à justiça no sentido jurídico, do plano horizontal, como é usada na vida social de cada dia. Justiça é, pois, a compreensão intuitiva de Deus (a mística) e o seu natural trans­bordamento na vida cotidiana (a ética).

“Jesus proclama felizes os que têm fome e sede dessa experiência íntima, os que estão insatisfeitos com o pouco ou muito que alcançaram no caminho árduo da sua cristificação. Sabem que estrada imensa lhes resta ainda a percorrer; mas sabem que é glorioso continuarem a andar rumo a seu grande destino. São como aves migratórias que, à aproxima­ção do outono, percebem em si o tropismo de regiões distantes, nunca vistas, onde a luz e o calor, já em declínio na zona do seu habitat, se acham em plena ascensão. Daí o misterioso magnetismo que as atrai para regiões longínquas.

“Para que o homem sinta em si essa espécie de nostalgia metafísica, deve ele ter ultrapassado certas fronteiras de vivência comum; deve sentir certo can­saço — ia quase dizendo pessimismo — da vida terrestre, deve sentir, com maior ou menor intensidade e nitidez, o anseio de algo que nunca viu, mas de cuja existência tem intuitiva certeza. O homem que ainda vive totalmente engolfado nos afazeres da lufa-lufa comum dos profanos, caçadores de matéria morta e carne viva , esse não está maduro para ter fome e sede de um mundo invisível. Antes de sentir essa fome, terá de experimentar o fastio daquilo de que agora tem fome. “Quem bebe desta água (das coisas materiais) torna a ter sede (das mesmas); mas quem beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede (das coisas materiais)” porque esta água se lhe tornará em uma fonte que jorra para a vida eterna.

“Sendo que as coisas materiais não apagam o desejo; pelo contrário, quanto mais gozadas tanto mais acendem o desejo, porque a posse aumenta o desejo, e o desejo exige novas posses — os profanos têm de intensificar cada vez mais os estímulos para sentirem ainda novos gozos; e, não raro, procuram narcotizar-se com os pequenos finitos de cada dia para não sofrerem a insatisfação de que estas coisas não podem dar definitiva satisfação. Em vez de ultrapassarem a barreira das quantidades e entrarem na zona da qualidade, tentam aumentar as quantidades - assim como quem bebe água salgada para apagar a sede, acendendo-a cada vez mais.”

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“O divino Mestre proclama felizes os que sofrem essa fome e sede da experiência de Deus, porque eles serão “saciados”.

“É certo que, um dia, em outros mundos, essa nostalgia será satisfeita, porque a natureza não engana seus filhos, impelindo-os a um alvo fictício. Se existem terras tropicais adivinhadas pelas aves migra­tórias das zonas frias, não pode deixar de existir aquele mundo que os anseios metafísicos dos melhores dentre os filhos dos homens sentem nas profundezas da alma.

“Ainda que o finito em demanda do Infinito tenha sempre diante de si itinerário ilimitado, e jamais chegará a um ponto onde lhe seja vedado progredir ulteriormente — porque não há “luz vermelha” nos caminhos de Deus — é certo que o humano viajor chegará a um ponto em que a sua compreensão e amor de Deus o tornará profundamente feliz.”

Huberto Rohden

Para aqueles que queiram ler os textos integrais recomendamos o link: http://www.esnips.com/doc/6fda8dc4-a4e1-48a3-87ae-8085b9eb532a/Huberto%20Rohden%20%3E%20O%20Serm%E3o%20da%20Montanha%20-%20Huberto%20Rohden